Relativamente poucos evangélicos latino-americanos consideram que a reflexão teológica é indispensável para a vida e a missão da igreja. A ideia predominante em nosso meio é de que a teologia é um mero passatempo de intelectuais. Um exercício mental que distrai a atenção de uma elite que não tem interesse nos aspectos práticos da “obra”. Um jogo efêmero, inútil.
Inicialmente, temos de admitir que, com frequência, os teólogos têm dado razões para essa atitude negativa em relação à teologia. Eles se esqueceram que seu trabalho só tem sentido se se mantiver estreitamente vinculado ao modo de ser e agir da igreja. Adquiriram a carta de cidadania para a teologia no mundo das disciplinas acadêmicas; porém, mais preocupados com seu próprio status do que com a fidelidade do evangelho. “Profissionalizaram” a reflexão teológica e a isolaram de outras disciplinas humanas, privando-a, assim, de toda possibilidade de concreção histórica.
No entanto, há razões suficientes para afirmar que, no que tange à vida e à missão da igreja, não basta o pragmatismo, ou seja, a ênfase no como divorciado do por que e do para quê.
Uma razão é que sem a iluminação da Palavra, a ação se transforma em um ativismo sem direção. Compete a teologia a importante tarefa de avaliar o que está sendo feito e de fazê-lo à luz da Palavra para ver se isso está, de fato, contribuindo com os objetivos do reino de Deus e sua justiça. Em um mundo como o nosso, em que estamos constantemente submetidos ao condicionamento da sociedade de consumo, muitas vezes somos tentados a adotar prioridades e metas que pouco ou nada têm a ver com os valores do reino. Por exemplo, o número de pessoas que assiste aos cultos, o tamanho de nossos templos ou de nossos orçamentos, entre outras coisas. Precisamos desenvolver a capacidade de julgar nossos sucessos (e fracassos!) a partir da revelação de Deus em Jesus Cristo e não dos valores que a sociedade secular nos impõe. Sob esta perspectiva, o único êxito que podemos ambicionar em nossa ação é o do servo a quem seu Senhor disse: “Servo bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei”. Em outras palavras, o verdadeiro êxito é a fidelidade. E a teologia nos ajuda a pararmos para verificar até que ponto estamos obtendo esse êxito. Ela cumpre assim uma função crítica com respeito à ação.
Outra razão é que a fé tem de se articular de tal forma que responda aos novos desafios e interrogações que surgem da situação do mundo contemporâneo. As respostas do passado têm seu valor, e estão enganados aqueles que pensam que não há nada a aprender com as gerações que lhes antecederam no seguimento a Jesus Cristo. Para evitar os erros de ontem e entender melhor os problemas de hoje, necessitamos de uma perspectiva histórica. No entanto, a necessidade de mostrar o significado concreto do reino de Deus em relação aos graves problemas que atingem o mundo moderno permanece. Cada geração de cristãos tem a grande tarefa de proclamar o evangelho dentro de seu próprio contexto socioeconômico, político e cultural. E isso requer seu próprio retorno às fontes da fé evangélica com disposição para escutar o que o Espírito de Deus diz hoje a seu povo por meio da Palavra em sua situação concreta. Portanto, a teologia cumpre a função de articular a mensagem de Deus, mostrando sua relevância a cada novo contexto.
Ambas as funções da teologia mencionadas estão intimamente ligadas à missão da igreja. A descrição da missão como a “parteira” da teologia tem sustentação. Se a missão tem a ver com a manifestação do reino de Deus no mundo por meio da palavra e da ação da igreja para a glória do trino Deus, a teologia é a reflexão que quer colocar tal palavra e tal ação em consonância com o evangelho em cada situação específica.
Assim, pode-se dizer que a falta de interesse pela teologia, tão comum entre evangélicos latino-americanos, é somente um sintoma da despreocupação com a fidelidade do evangelho e sua relevância para com nossa missão. A fim de sermos “práticos”, substituímos a Palavra por palavras e a ação pelo ativismo. Como consequência, nossa proclamação deixa muito a desejar segundo a perspectiva do reino. E o mesmo se pode dizer da qualidade da vida espiritual de nossas congregações. Como bem disse o grande teólogo escocês P. T. Forsyth há quase um século:
Em assuntos de religião, de nada vale a experiência se ela não é sustentada pela teologia... É possível ter uma alma piedosa sem muita teologia, mas não se pode ter uma igreja piedosa por muito tempo. Será uma igreja débil e, logo, uma igreja mundana: não terá a capacidade de resistir ao condicionamento do mundo, suas definições claras e seus métodos positivos.
Além disso, se toda a igreja é missionária e se a teologia é inseparável da missão, então a reflexão teológica é uma tarefa que compete a todo o povo de Deus. A teologia, assim como a missão, não é propriedade de uma elite: é uma responsabilidade e um privilégio de todo seguidor de Jesus Cristo.
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