João Calvino nasceu em Noyon, em 1509, e teve a oportunidade de uma ótima formação: estudou em Paris, Orléans e Bourges, obtendo licença nas artes liberais e na jurisprudência. Sua “conversão” ao protestantismo deu-se entre 1533 e 1534, provavelmente em contato com os humanistas em Paris e com teólogos reformados. Dois anos após, publicou sua obra prima, a Institutio christianae religionis, que se tornou o compêndio teológico do calvinismo. Os milhões que aceitam a fé reformada e sua fundamentação doutrinária testemunham a importância do sistema teológico fundado por João Calvino (1509-1564), designado geralmente pelo termo "Calvinismo". O termo "fé reformada" aplica-se ao sistema de teologia desenvolvido a partir do sistema de Calvino. "Presbiterianismo" é a palavra usada para exprimir a forma de organização eclesiástica concebida por Calvino, que fez de Genebra o centro de execução de suas idéias. Calvino pode ser apontado como o líder da Segunda geração de reformadores.
Lutero e Calvino
Calvino faz um interessante contraste com Lutero. Este era de família camponesa, mas o pai de Calvino era um tabelião que fez do filho um membro da classe profissional. A formação universitária de Lutero foi feita de filosofia e teologia; Calvino, porém, recebeu uma formação humanística; por isso, enquanto ele foi organizador por excelência do protestantismo, Lutero foi a sua voz profética. Lutero era fisicamente forte, enquanto Calvino teve de enfrentar problemas de saúde durante todo o seu período de trabalho em Genebra. Lutero amava o lar e a família, ao passo que Calvino preferia o estudo solitário. Lutero, que vivia numa Alemanha monárquica, esperava o apoio dos aristocratas e dos príncipes; Calvino, numa Suíça republicana, interessava-se mais pelo desenvolvimento de uma igreja governada representativamente.
Lutero e Calvino diferiam tanto teológica como pessoalmente. Lutero enfatizava a pregação; Calvino preocupava-se com a formulação de um sistema formal de teologia. Os dois aceitaram a autoridade da Bíblia, só que a ênfase maior de Lutero era sobre a justificação pela fé, e a de Calvino, sobre a soberania de Deus. Lutero interpretava a consubstanciação como a melhor teologia para a Ceia do Senhor; Calvino negava a presença física de Cristo, aceitando apenas a presença espiritual de Cristo pela fé nos corações dos participantes. Lutero só rejeitava o que a Bíblia não aprovava; Calvino rejeitava tudo o que não pudesse ser provado pela Bíblia. Lutero aceitava a predestinação dos eleitos mas se preocupava muito pouco com a eleição para a condenação. Calvino, por sua vez, defendia uma eleição dupla, para a salvação e para a condenação, baseada na vontade de Deus, e rejeitou qualquer concepção da salvação como fruto do mérito do eleito ou da presciência de Deus, como se Deus elegesse para a salvação aqueles que Ele sabia de antemão que creriam.
A Vida de Calvino
A vida de Calvino pode ser dividida, claramente, em dois grandes períodos. Até 1536, um estudante distraído; de 1536 até sua morte em 1564, exceto por um pequeno período de exílio em Estrasburgo, de 1538 a 1541, o grande líder de Genebra. Nascido em Noyon, em Picardy, ao norte da França, seu pai era um respeitado cidadão, a quem era possível reservar de um benefício eclesiástico para a educação de Calvino, a partir dos seis anos de idade. Dois outros benefícios eclesiásticos permitiram a Calvino receber o melhor preparo possível para ingressar na universidade. Estudou por algum tempo na Universidade de Paris, e aí encontrou o humanista Guillaume Cop. Aí conheceu também as idéias protestantes através de seu primo Pierre Olivetan. Encerrando seus estudos humanísticos, seu pai o enviou para a Universidade de Orleans a fim de estudar advocacia, transferindo-se para a Universidade de Bourges, em 1529. A elaboração de um bom comentário sobre o De Clementia, de Sêneca, em 1532, marcou o ápice da influência sobre a sua vida.
Entre a conclusão do comentário e o fim do ano seguinte, Calvino se converteu, adotando as idéias da Reforma e dispensando imediatamente o dinheiro das rendas eclesiásticas. Forçado a abandonar a França, em 1534, por colaborar com Nicholas Cop, reitor da Universidade de Paris, na elaboração de um documento, recheado de Humanismo e de Reforma, seguiu para a Basiléia.
Em Basiléia, terminou sua grande obra, As Institutas da Religião Cristã, na primavera de 1536; tinha ele então 26 anos de idade. O pequeno livro era dirigido a Francisco I, da França, numa tentativa de defender os protestantes da França, que sofriam por sua fé, e pedia a Francisco que aceitasse as idéias da Reforma. A primeira edição era apologética e nela Calvino demonstrava como entendia a fé cristã. A influência do Catecismo, de Lutero, pode ser percebida na freqüência desta primeira edição. Calvino, primeiro discutia os Dez Mandamentos; depois, tomando como base o Credo dos Apóstolos, a Fé; a seguir, a oração, a partir do Pai Nosso; os dois Sacramentos; os perigos da doutrina romana acerca da Ceia do Senhor, e, finalmente, a liberdade cristã do cidadão, que relacionou à liberdade política. A obra passou por várias edições até a edição final em 1559. Esta edição compõe-se de quatro livros e oito capítulos, constituindo-se num amplo texto de teologia.
A Teologia de Calvino
Mesmo correndo o risco de simplificar demais, pode-se resumir a teologia de Calvino como um recurso mnemônico simples, geralmente usado pelos estudantes. As primeiras letras dos principais termos da teologia formam o anagrama TELIP. Coordena sua teologia a idéia da soberania absoluta de Deus. Calvino tinha uma concepção majestosa de Deus, a exemplo de alguns profetas do Antigo Testamento. Ele acentuava a Totalidade da depravação humana, entendendo que o home herdou a culpa do pecado de Adão e nada pode fazer por sua salvação, uma vez que a sua vontade está totalmente corrompida. Calvino ensinava que a salvação é um assunto de Eleição incondicional e independe do mérito humano ou da presciência de Deus; a eleição é fundamentada na soberana vontade de Deus, havendo uma predestinação dupla, para a salvação e para a perdição. Calvino concebia ainda a Limitação da redenção, ao propor que a obra de Cristo na cruz é restrita aos eleitos para a salvação. A doutrina da Irrestibilidade da graça é necessária, então; o eleito é salvo independentemente de sua vontade, pois o Espírito Santo o dirige irresistivelmente para Cristo. A Perseverança ou preservação dos santos é o ponto final do seu sistema; os eleitos, irresistivelmente salvos pela obra do Espírito Santo, jamais se perderão.
Embora a teologia de Calvino tenha contornos muito próximos de Agostinho, ela se deve mais ao estudo da Bíblia do que a Agostinho. Como outros reformadores, ele não foi de Agostinho para a Bíblia e daí para as doutrinas da Reforma, mas da Bíblia para Agostinho, em busca de apoio do príncipe dos Pais da Igreja.
A Vida de Calvino (depois de 1536)
Enquanto Calvino esteve engajado, a Reforma avançou por todos os cantões franceses da Suíça.
Foi Guilherme Farel (1489-1565), ruivo, inquieto, voz tonitruante e carisma de profeta, quem estabeleceu a Reforma em Genebra. De família francesa de classe média e educado em universidades francesas, aceitou cedo, em 1521, a doutrina luterana da justificação pela fé. Protegido por Berna, ele ajudou a propagar as idéias reformadoras. Em 1532, começou a agir em Genebra. Em 1535, venceu uma polêmica com os inimigos da Reforma, o que resultou na adoção formal das idéias dos reformadores pela Assembléia Geral dos Cidadãos, em 1536.
Para estabelecer a Reforma em Genebra, Farel percebeu que precisaria de alguém administrativamente mais capacitado. Em uma de suas viagens, Calvino pernoitou uma vez (1536) em Genebra. Farel foi ao seu encontro e solicitou sua ajuda. Calvino se recusou, pois gostava da vida de estudioso e escritor de teologia; Farel lhe disse que Deus o amaldiçoaria se não ficasse. Impelido pelo medo, como Calvino mesmo mais tarde confessou, resolveu ficar. Ele e Farel trabalharam juntos até serem exilados em 1538. Calvino foi ordenado ministro de ensino de Genebra em 1536.
Em 1537, Calvino e Farel conseguiram a aprovação de um decreto que estabelecia o seguinte: a Ceia do Senhor seria celebrada em ocasiões preestabelecidas; um catecismo de crianças seria preparado; o canto congregacional seria adotado e os membros sob disciplina severa seriam excomungados. Os dois elaboraram um catecismo e uma pequena declaração de fé; como eles se recusavam a dar a Ceia do Senhor a alguns, isso gerou uma controvérsia que acabou levando-os ao exílio em 1538.
Entre 1538 e 1541, Calvino pastoreou refugiados franceses em Strasbourg, onde Tomás Bucer (1491-1551) dirigiu a Reforma e ensinou teologia. Nessa época, casou-se com Idette de Bure, viúva de um pastor anabatista. Seu único filho morreu criança e em 1549 Idette também morreu.
Em 1541, as forças reformadoras novamente obtiveram controle de Genebra e Calvino foi convidado a voltar. Neste mesmo ano ele teve promulgadas as Ordenanças Eclesiásticas, que delineavam as atividades de quatro classes de oficiais na Igreja. Elas estabeleciam uma associação de pastores para dirigir a disciplina, um grupo de mestres para ensinar a doutrina, um grupo de diáconos para administrar a obra de caridade, e, sobre eles, o consistório, composto de seis ministros e doze anciãos, para supervisionar a teologia e a moral da comunidade, com a faculdade de punir, quando necessário, com a excomunhão dos membros renitentes. Para garantir a eficácia do sistema, Calvino estabeleceu outras penalidades mais severas.
Essas penalidades se configuraram severas demais, quando 28 pessoas foram executadas e 76 exiladas em 1546. Por questionar a doutrina da Trindade, Servetus foi executado em 1553. Embora não se justifiquem tais atos, deve-se lembrar que o povo de então cria que estava seguindo a religião do Estado e que a desobediência deveria ser punida com a morte. Essa convicção era compartilhada por protestantes e católicos. Hoje, algumas normas de Calvino seriam consideradas como injustificadas interferências na vida particular.
Em 1564, Calvino morreu; seu frágil organismo não resistiu aos árduos combates pela causa do Evangelho. Teodoro Beza (1519-1605), reitor da Academia de Genebra, tomou a liderança do trabalho em Genebra.
As Contribuições de Calvino
A maior contribuição de Calvino à fé reformada foram as suas Institutas, aceitas como expressão acabada da teologia reformada. Nessa obra, ele pôs os fundamentos de duas ênfases reformadas: a importância da doutrina e a centralidade de Deus na teologia cristã.
Epistológrafo copioso, muitas pessoas da Europa e das ilhas britânicas lhe pediam conselhos. Suas cartas, com outros escritos, integram 57 volumes do Corpus Reformatorum , e existem 2000 de seus sermões.
Calvino também incentivou a educação. Em substituição à Academia, ele criou em Genebra um sistema de educação em três níveis, hoje conhecida como Universidade de Genebra, fundada em 1559. Sua ênfase sobre a educação chegou aos Estados Unidos, quando algum tempo depois, os puritanos, calvinistas, criaram escolas no novo mundo.
Sob sua liderança, Genebra tornou-se uma inspiração e um modelo para os de fé reformada de outros lugares e um refúgio para os perseguidos por sua fé reformada. John Knox por algum tempo se refugiou em Genebra e se curvou ante à eloqüência da pregação de Calvino. Seus muitos comentários sobre os livros da Bíblia são até hoje estudados pelos seguidores de suas idéias. A administração da igreja genebrina tornou-se modelo para as igrejas reformadas.
Calvino também influenciou o avanço da democracia porque aceitou o princípio representativo da direção da Igreja e do Estado. Ele entendia que a Igreja e o Estado foram criados por Deus para o bem do homem, e que, portanto, deviam, ambos, cooperar para o progresso do Cristianismo. Sua ênfase na vocação como chamada divina e a importância que dava à frugalidade e ao trabalho estimularam ao capitalismo.
Acham alguns que a teologia calvinista secciona o nervo do evangelismo e do esforço missionário. Entretanto, um estudo da história da expansão do Evangelho mostrará que aqueles que professam a fé reformada tiveram parte importante nos grandes reavivamentos do passado e nos movimentos missionários modernos. A influência deste talentoso pregador, sóbrio e emagrecido sábio, sobre a educação espiritual da sociedade moderna ultrapassa um muito o seu físico frágil. Só mesmo a graça de Deus operando em sua vida explica adequadamente o trabalho que ele realizou e que até hoje frutifica. Ele foi, sem dúvida, um reformador internacional, cujo trabalho influenciou os Presbiterianos, Reformados e Puritanos.
Parte de trabalho apresentado no Seminário Teológico Batista do Triângulo Mineiro, na Matéria História do Cristianismo II. Renato Jr. - Blogueiro, articulista, teólogo em formação.
Graça e paz irmão.
ResponderExcluirPrimeiramente parabéns pelo blog! Gostaria de sua autorização para publicar alguns de seus posts no meu blog, SOLI DEO GLORIA, certamente citando a fonte. Desde já grato, e fique na paz de Cristo.
Graça e Paz Reverendo Paulo,
ResponderExcluirSerá um prazer, que Deus lhe abençoe!
Renato Jr.